Movimento Contra a Intolerância Religiosa no Ceará
Faça parte do Movimento Contra a Intolerância Religiosa no Ceará. Amanhã, dia 15 de maio, às 9h da manhã no Ministério Público (rua 25 de março, próximo a Junta Comercial).
A PENA CONTRA O AXÉ: O POVO DE SANTO UNIDO, COM AS BENÇÃOS
DOS ORIXÁ, QUEM PODE?
Semana passada, uma das casas mais tradicionais e antigas de Candomblé
do Ceará, o Ilê Axé Omo Tifé, dirigida pela Mãe Valéria de Logun Edé, foi
surpreendido com uma intimação judicial, do Ministério Público do Estado,
que através da I Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, inquiriu o Ogan que
cumpre o papel de relações institucionais deste terreiro, a fim de "manifestar-
se acerca de proposta de ajustamento de conduta que lhe poderá ser
apresentada”(como consta no documento de intimação). Infelizmente, o que
ocorreu foi um verdadeiro ataque ao direito de culto, de forma intolerante e
intransigente. O promotor procedeu a um interrogatório digno de autos da
inquisição, primeiramente com, a clássica intimidação da exigência do alvará,
tão utilizada pelas autoridades policiais do século XIX, como pretexto para
repressão e interdições, após o que, desferiu insidiosa acusação de “maus
tratos” de animais, proferindo trechos macabros do documento acusatório que
até então não haviamos tido acesso, como, “ Além do barulho estrondoso, a
vizinhança é surpreendida por gritos agoniantes de animais que são cruelmente
sacrificados durante os rituais, cabendo ressaltar também que após a matança, os
adeptos da SEITA ainda expõem as carcaças dos bichos para secarem em cima
do muro”.., e que parecem ter convencido, a priori, o preclaro promotor que
em determinado momento, sentenciou qual fosse um juiz, que nós precisamos
EVOLUIR, que êle é Católico e Maçom, e que ambas as instituições evoluiram
em seus ritos, que um padre não mais bebe vinho de verdade nas missas, pois
hoje, se o fizesse, o clérigo da Igreja de Fátima, por exemplo, estaria bêbado
aos fins dos dias 13 de maio, por tantas cerimônias que celebra, que tudo não
passa de simbolismo.
Tentamos dissuadí-lo, esclarecendo-o de nossa motivação precípua de
consumo, principalmente cujo rito de sacrifício é a face religiosa, feita com
extremo respeito aos animais, pois para nós, são sagrados e serão ofertados
a quem nos é mais caro, nossos Orixás, portanto devem estar bem tratados
e sofrem o mínimo que for possível para poderem levar nossas mensagens
e pedidos o mais integralmente, para nossos entes sagrados, entretanto,
a indignação do representante do ministério público, o levou a nos aguir
sobre a poluição sonora, fumaça de queima de restos de animais, gritos
ensurdecedores, chegando a citar ser notórias denúncias de sacrifício de
crianças.
Foi uma esticada sessão, que tivemos de suportar, e boa e exemplar postura,
pois simbolizávamos naquele momento não só nossa casa, mas todo povo de
santo, todos nossos ancestrais, que sustentaram sua fé e sua cultura mesmo
que agonizantes em pelourinhos.
Ao podermos nos depara com o conteúdo dos autos, compreendemos a origem
de tamanha carga expressa pelo magistrado, suas linhas traziam por quase
definição em praticamentre a totalidade dos dicumentos arrolados, terminologia
profundamente discriminatória, qualificando de, “Terreiro de Macumba”,
como expressão incriminatória ou no mínimo discricionária, denominado-nos
como SEITA, a cada momento e desenhando a mais macabra das imagens
sobre nossos espaços e atos sagrados, colocando-nos como pertubadores
da paz comunitária, o que nos tornaria obviamente totalmente enjeitados e
“personas non gratas” nas mesmas, esquecendo-se que muitas dessas foram
inauguradas com nossas presenças.
Temos vivido em permanente luta, às vezes silenciosa e discretya para não
sermos massacrados, porém agora o ataque nos coloca em perigosa situação,
pois, as consequencias de uma possível vitória dessas acusações, criará
jurisprudência, se tornando pretexto para no Brasil todo, ações como esta,
sejam movidas pelo Ministério Público, canal mais fácil e inflexivel do que o
parlamentar, a exemplo do que aconteceu em Piracicaba (SP), para interdição
de nossos terreiros, das mais variadas vertentes, atingindo assim gravemente
nosso universo de Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.
Diante de tanta intolerância, cabe-nos a união, não só em nossa fé mas em
atos, e neste sentido, queremos aproveitar este momento para convidar
a todos, tanto de nossas Comunidades Tradicionais de Terreiros, como a
sociedade em geral e aqueles que direta ou indiretamentamente sentem
seus atabaques e tambores tocarem no peito, nossos capoeiristas, povo dos
Maracatus, Afoxé, batuqueiros de todos os rítmos para se fazerem presentes,
amanhã, quinta, dia 15, às 9 horas em frente à 1ª Promotoria de Justiça do
Meio Ambiente e Planejamento Urbano, na Rua 25 de Março, 280, Centro,
ao lado da Junta Comercial, quase esquina com rua Costa Barros, em
solidariedade ao Ilê Axé Omo Tifé, quando, em nova audiência estarão a Mãe
Valéria de Logun Èdé e o Ogan em questão, sendo inquiridos pelo mesmo
promotor, quando o mesmo deve proferir decisão de denúncia contra o terreiro,
para a justiça.
O BRADO DE UMA ANTIGA GUERREIRA !
Eu, Valéria Pessoa Romero, Logun-Edé Olomin Oké, tenho 71 anos de idade e 43 anos
de iniciada na religião de matriz africana que cultua Orixá no Brasil, conhecida como
candomblé. Tenho “casa aberta” há 36 anos. Há 36 anos, sou feliz e isso me justifica
a vida. Há 36 anos, vejo pessoas entrarem pelas portas do Ilé Axé Omo T’ifé e saírem
melhores e mais felizes do que entraram – assim me falam sorrindo e contando como
viram sanados e seus problemas e as suas instabilidades. Há 36 anos, meus filhos se
chegam a mim, vindos de duras realidades, narrando tristes histórias de vida e, por
intermédio do Orixá, transformam estas histórias e, por conseguinte, suas vidas. Estes
meus filhos, diariamente, tomam-me a benção e dizem: “Mãe, graças à senhora e aos
Orixás, estou vivo e vivendo de modo digno”. Estas palavras, somadas à minha fé no
Orixá, fazem-me levantar e encarar a vida em sua plenitude.
Porém, a despeito de tudo aquilo que cito acima, nesta cidade de Fortaleza, nossa casa
vem sendo alvo de ataques torpes e religiosamente intolerantes. Estes ataques estão
camuflados em processos preconceituosos, medidas impiedosas do Ministério Público.
Sim, o Ilé Axé Omo T’ifé, situado na Rua Francisco Lima e Silva, Nº 115, Jangurusu,
vive dias de luta, resistindo integralmente a ações descabidas, segundo as quais somos
acusados de poluição sonora e maus tratos aos animais. Ora, logo se vê que, da parte
de quem realizou tais denuncias, existe uma profunda ignorância frente aos nossos
preceitos religiosos e à nossa concepção de rito religioso. É que nossos Deuses dançam
e catam e entoam brados de guerra, relembrando o nosso passado coletivo, o passado
de nossos ancestres negros cujo sangue foi derramado e cozinhado em fogueiras ditas
“santas”. Além disso, como podemos maltratar um animal sequer, se dizemos: “o
cachorro e apadrinhado por Obaluayé os peixes são filhos de Yemojá, o mico-leão
pertence à Oxum, assim como vários outros animais”? É um dissenso! É um absurdo!
Nossa razão-de-ser é a vida, é a natureza, é matar a fome de quem a tem! É preciso que
esse mesmo Ministério Público volte seus olhos para as madames que, descontroladas,
torturam os seus cãezinhos; para as redes de hotéis de brancos ricos que poluem as
águas! E esses maus tratos, como ficam?
E digo: não nos calaremos! Somos fortes porque o Orixá nos da o Axé, que é força,
que é virtude! Somos fortes e não nos calaremos, pois esta é a nossa sina: lutar para
perpetuar uma religião que contém culturas milenares.
Esta carta é um desabafo político de uma mulher engajada numa luta profunda contra as
ações e as medidas preconceituosas, desiguais de uma sociedade preconizadora de um
discurso eurocêntrico, de cunho judaico-cristão.
Avante, Povo de Axé! Clamem por Ogun! É guerra contra os nossos santos terreiros. As
fogueiras hoje são outras.
Atenciosamente,
Iya Valeria de Logun-Edé
EM CÔRO COM NOSSA MÃE
É com grande amor e fé que nós, o Egbè (família) do Ilé Axé Omo T’ifé, corroboramos com
todas as palavras enunciadas pela nossa líder, Iya Valéria de Logun-Edé. O seu ponto de vista
é exatamente o prisma pelo qual enxergamos os últimos eventos pelos quais temos passado.
Acreditamos, ainda, que seu posicionamento sintetiza as várias opiniões das diversidades
existentes dentro e fora do contexto das Comunidades Tradicionais de Terreiro. Ademais,
rogamos ao Orun que ilumine nossa grande Mãe nesta jornada da luta pela igualdade sócio,
racial e religiosa.
Respeitosamente,
Egbè do Ilé Axé Omo T’ifé.
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