Deu no Le Monde

 O jogo pesado dos ruralistas

As eleições não pacificaram o país. E os ruralistas entendem que aqueles que se opõem a seus interesses têm de ser destruídos

Silvio Caccia Bava



Os empresários da agroindústria são hoje o grupo mais forte e mais ativo que busca desestabilizar o governo Lula, se possível derrubá-lo. Continuam não aceitando o resultado das eleições. Eles se opõem às políticas de regulação fundiária e defesa do meio ambiente, à reforma agrária. E querem manter os privilégios que os governos anteriores, especialmente os governos Temer e Bolsonaro, lhes outorgaram.

Seus motivos são sólidos: seus lucros dependem da destruição do meio ambiente; muitas áreas de suas propriedades são fruto de desmatamentos, são griladas e têm documentação irregular; até o fim do governo Bolsonaro, controlaram todas as instituições que deveriam fiscalizá-los e hoje não é mais assim; para o acúmulo de suas riquezas, dependem profundamente do financiamento público, dos subsídios, dos perdões de dívidas, das isenções tributárias. 

Os empresários da agroindústria são poderosos em muitos sentidos. Associados ao bolsonarismo, nas eleições de 2022 conquistaram uma bancada no Congresso que cresceu 24% na Câmara dos Deputados, alcançando o número de trezentos deputados, num total de 513; no Senado cresceram 20%, totalizando 47 dos 81 senadores. Todos se agrupam na Frente Parlamentar da Agropecuária, que conta com um think tank criado em 2011 para assessorar as pautas legislativas, o Instituto Pensar Agro, financiado tanto por 48 associações patronais do agronegócio como por multinacionais como Cargill, Syngenta, Nestlé e Bunge.1 

Em sua atuação parlamentar, pretendem defender seus privilégios – isenções tributárias, crédito subsidiado, perdão de dívidas com o Estado, uso de agrotóxicos proibidos. Mas também estão mobilizados para manter o desmatamento, o assédio aos territórios indígenas e a retomada do controle dos órgãos de gestão das políticas públicas, e criminalizar as ocupações realizadas pelos sem-terra em defesa da reforma agrária. 

Tem muita coisa em jogo. Olhando apenas para a dívida que eles têm para com o Estado, dados de pesquisa da Oxfam, de 2006, já mostravam que 4.013 pessoas físicas e jurídicas do agronegócio deviam ao Estado brasileiro R$ 906 bilhões. Desses, 729 proprietários possuem 4.057 propriedades rurais, com 6,5 milhões de hectares, e uma dívida de R$ 200 bilhões. A Medida Provisória n. 733, editada por Michel Temer, oferecia descontos entre 60% e 95% a esses devedores, quando inscritos na Dívida Ativa.2

Sua atuação, porém, não se restringe a impor suas regras no Parlamento. Sua radicalização vem de longa data, reeditando, se se pode dizer, as práticas da União Democrática Ruralista, a UDR, não só por pressionar autoridades públicas eleitas, mas também por disseminar a violência no campo.3 

Estão sendo organizadas milícias rurais que atacam os acampamentos dos sem-terra, como é o caso do Movimento Invasão Zero, na Bahia, criado este ano, mas que já conta com oitocentos fazendeiros de 130 cidades que resolveram defender seus interesses com as próprias mãos, ou as próprias armas, para dizer melhor. Um de seus coordenadores, Luiz Uaquin, declara com todas as letras: “A Constituição não existe no estado. E também não se prende ninguém pela invasão de propriedade. Dessa forma tivemos que reagir e nos organizar para expulsar os invasores por conta própria”.4

Casos como o de Jacobina, na Bahia, ilustram o que eles querem dizer. Em 3 de março passado, uma carreata de caminhonetes de fazendeiros, ao som do Hino Nacional, desmanchou barracos e incendiou colchões de um acampamento dos sem-terra. A facilidade na compra de armas e o incentivo do governo Bolsonaro aparelharam essas milícias.5

As investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, sobre os acampamentos em frente aos quartéis, sobre os bloqueios de estradas por tratores e caminhões, todas identificam as digitais do agronegócio como financiador e organizador. 

Depois do impacto das eleições, os agropecuaristas retomaram as iniciativas. Criaram e controlam a CPI do MST, buscando criminalizar os movimentos dos sem-terra e combater qualquer iniciativa de reforma agrária. Por tabela, mas como principal alvo, querem criminalizar também o governo Lula, acusando-o de cumplicidade com esses movimentos sociais. 

Buscam retomar o controle de órgãos públicos, como a Agência Nacional das Águas e Saneamento, que estava no Ministério do Meio Ambiente e passou, por iniciativa do Congresso, para o comando da União Brasil, que controla o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Mesmo o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que monitora as terras privadas e conflitos em áreas de preservação, saiu do Ministério do Meio Ambiente e passou para o Ministério da Gestão e Inovação, depois de uma negociação do governo Lula, pois o agronegócio queria colocá-lo no Ministério da Agricultura, dirigido por um integrante do agronegócio. A demarcação dos territórios indígenas saiu da responsabilidade do Ministério dos Povos Indígenas. E a ofensiva continua.6

As eleições não pacificaram o país. E os ruralistas entendem que aqueles que se opõem a seus interesses têm de ser destruídos. Hoje em dia, isso significa destruí-los politicamente e mesmo fisicamente.

Sem maioria no Congresso, o governo busca negociar e defender sua agenda de preservação do meio ambiente e de segurança alimentar, mas para ter sucesso vai precisar da mobilização da sociedade civil. 

Fonte: https://diplomatique.org.br/

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