Marta Porto: “Cultura Viva é um dos grandes legados que recebemos”

Leonardo Brant | sexta-feira, 29 abril 2011

Em entrevista exclusiva a Cultura e Mercado, a nova secretária da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura fala dos desafios do novo Ministério da Cultura, que está finalizando o processo de reestruturação para o novo mandato, em relação à cidadania, diversidade, gestão pública e o legado do programa Cultura Viva.


Ensaísta e consultora, Marta Porto se graduou em jornalismo. Já no início de sua carreira, decidiu trabalhar para tentar mudar a realidade, em vez de reportá-la; nos diversos cargos públicos, privados e em organismos internacionais que ocupou, esteve sempre à frente de projetos voltados para os campos cultural e social.
A experiência na implementação de ações continuadas, em órgãos públicos e empresas, tornou-a uma especialista em políticas culturais e de comunicação. E apontou um caminho estratégico, que hoje se confunde com o que Marta enxerga como opção viável de combate às desigualdades: ação escorada no pensamento, transformação de imaginários coletivos, formação de redes sociais.
Autora de artigos e ensaios publicados na imprensa, em coletâneas de livros e revistas especializadas, foi diretora da (X)Brasil, escritório de comunicação por causas, de onde se licencia para assumir o novo cargo no MinC.
Leonardo Brant – Como diversidade converge com cidadania?
Marta Porto – A diversidade em si não promove cidadania. Para que isso aconteça é preciso estimular um ambiente de trocas e diálogo de saberes, práticas e experiências culturais. Reconhecer as diversas tradições e expressões contemporâneas da arte e da cultura é uma condição para uma política cultural de respeito e promoção da diversidade, mas a cidadania – participativa, solidária e consciente – vem a partir das trocas, de um imaginário rico onde pessoas diferentes reconhecem e valorizam o conhecimento e a produção diversa da sua.
Cidadania se estimula com alteridade e não só com diversidade. E se consolida quando desenvolvemos esses valores e oportunidades na trajetória de vida das crianças, dos jovens e de cada indivíduo na sociedade. Por isso, tenho dito que a cidadania é um propósito, um fim, e diversidade uma matriz que ao dialogar com a ética e os valores universais da democracia, respeito ao próximo e garantia de direitos, contribui para uma sociedade de bem estar, mais humana e justa.
LB – Quais são as prioridades da Secretaria de Diversidade e Cidadania?
MP – Promover esse ambiente de trocas e intercâmbios culturais a partir de uma política de reconhecimento e fortalecimento das diversas expressões culturais brasileiras, tradicionais e contemporâneas.
Priorizar uma política de desenvolvimento cultural para as crianças e jovens, reunindo o conhecimento acumulado no país nessa área e as práticas e metodologias culturais existentes – dos mestres e artistas populares as ações educativas promovidas em espaços culturais ou escolas informais. Estamos trabalhando com a noção de trajetória, ou seja, um processo que ao longo dos anos vai criando as condições para que a experiência cultural se fortaleça na vida de nossas crianças, a partir das suas identidades, mas sempre buscando a curiosidade pelo novo, pelo diverso.
A  Ministra Ana de Hollanda me pediu que trabalhasse para fazer da política cultural um dos pilares da formação cidadã no Brasil, e vamos trabalhar com esse objetivo maior. Gerar oportunidades para que todos os brasileiros, e não só os produtores e artistas, participem da vida cultural do país.
LB – Como você encontrou o programa Cultura Viva e como pretende entregá-lo?
O programa Cultura Viva é um dos grandes legados que recebemos, ele rompeu com uma lógica de fomento no Brasil ao reconhecer a importância e a vitalidade da produção cultural existente em todos os cantos do país. Para que ele se consolide como um programa de Estado é importante determinar as condições políticas e de gestão de avanço. Nos últimos anos o programa sofreu das dores do crescimento, com a ampliação das redes de pontos de cultura e o crescimento de editais e prêmios sem ainda contar com uma estrutura sólida de recursos humanos, de gestão e acompanhamento que evitasse problemas na ponta ou junto aos órgãos de controle do Estado. E esse é um grande desafio. Estamos fazendo encontros com as instituições que avaliaram o programa nos últimos anos, como o IPEA, o Instituto Paulo Freire, a Uerj, a Fundação Casa de Rui Barbosa para entender como podemos promover esse avanço com base na própria escuta feita nos Pontos e Pontões de Cultura e nas recomendações sugeridas nas pesquisas. Nem todos os problemas são do marco legal, como muitos vem atribuindo, pois apesar de não ser o adequado, vários programas do Governo Federal nos últimos anos encontraram boas soluções para trabalhar em conjunto com a sociedade.
É necessário também pensar na renovação dos projetos contemplados pelo Programa, garantindo que seus princípios se consolidem ao abrir perspectivas para outras iniciativas e não só a manutenção das já existentes.
Em especial, quando se inicia o processo de implantação das Praças do Pac, esse princípio de identificar em cada localidade iniciativas e projetos culturais que possam se articular com as Prefeituras na dinamização desses espaços, ganha uma força extraordinária. Atender a ideia original de renovação, considerando que o Estado não pode e não deve, consolidar uma espécie de rede de privilegiados culturais, é fundamental para democratizar o acesso aos meios que dispomos.
Não cabe a mim sugerir como o programa será “entregue”ao final dessa gestão, pois o Cultura Viva se alimenta da dinâmica cultural própria da sociedade, mas o que posso me comprometer em nome da equipe do Ministério da Cultura, é trabalhar para consolidá-lo como programa ao trabalhar a sua relação com outros programas e políticas de governo, como os de promoção da igualdade racial, de gênero, de atenção aos direitos humanos e a infância e juventude, dentre outros. E, claro entregá-lo em boas condições de gestão e transparência de resultados.
LB – Como você enxerga a relação entre o Cultura Viva e a cultura digital?
MP – É uma relação natural e importante. Na verdade, a cultura digital faz parte da noção maior do Cultura Viva, pois as produções estéticas contemporâneas cada vez mais convergem para o universo das tecnologias digitais. Tenho desenvolvido esse tema em meus últimos artigos e ensaios, levantando o tema da cultura digital como intrínseco as políticas culturais de hoje. Não é uma mudança simples, que diz respeito apenas ao uso das ferramentas tecnológicas e todas as oportunidades que elas geram, mas uma mudança de subjetividade estética e comportamental identificada nas gerações que nasceram a partir dos anos 90. A experiência cultural, ou seja a maneira como vivenciamos a criação, a fruição e a distribuição das expressões culturais, mudou e se quisermos promover políticas culturais que dialoguem com os jovens de hoje e de amanhã, é preciso atualizar a nossa forma de pensar e fazer política, em especial no campo das culturas.
Concretamente, sobre o Cultura Viva, além de ser uma oportunidade para a circulação de repertórios e conteúdos produzidos pelas iniciativas apoiadas pelo projeto, pode apontar para novas formas de produção que devem ser contempladas por seu valor cultural em si, e não apenas pelo uso da ferramenta de mídia.
LB – Acompanho o seu trabalho fora do MinC há muito tempo. Percebo um compromisso muito forte com aquilo que chamamos “gestão cultural”. Como você compreende a gestão cultural e como pretende colocar esse compromisso à serviço do #NovoMinC?
MP – Meu compromisso sempre foi com a política, na formulação e na praxis, mais do que com a gestão, mas considero que boas políticas se fazem com uma boa gestão e por isso me cerco de um time de pessoas que busca garantir a excelência necessária, em especial quando trabalhamos com recursos públicos.
No meu entendimento a gestão cultural para avançar tem ela mesma que se culturalizar. Não é possível assistirmos sem críticas uma onda de formações nesse campo voltadas apenas a administração, captação e controle de projetos, sem a necessária imersão em conteúdos que podem formar culturalmente, como história da arte, cultura brasileira, ética e memória política. Para dar respostas consistentes diante dos grandes desafios culturais que o mundo nos coloca hoje, desenhar programas, propor ações, cooperar nacional e internacionalmente, antes de tudo, nosso gestor tem que  se aprofundar nos conteúdos culturais, ser sensível a diversidade cultural. Se confunde muitas vezes gestão com administração, ambas são necessárias e complementares, mas distintas. Essa formação complementar e mais densa que se exige, por exemplo, para implantarmos nos próximos anos as diretrizes do Plano Nacional de Cultura, as postas pelas Conferências Nacionais de Cultura e pelos Planos Setoriais. Isso irá exigir de nós um empenho para adensar os cursos e escolas técnicas no campo cultural, o que pode abrir uma perspectiva excelente de trabalho para muitos jovens brasileiros.
O compromisso de imprimir excelência na gestão de nossos programas e ações, com monitoramento das iniciativas e transparência dos resultados, tem sido colocado pela Ministra Ana de Hollanda desde o primeiro momento e cabe a nós cumpri-lo.

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